A urgência de ser
Ser o quê?
Ser eu mesmo.
O vírus, o confinamento, a eminência do fim, que pode ser meu ou do meu amigo, meu ou do meu parente, do meu prestador de serviço ou do meu desafeto. Tudo girando ao meu redor, em torno do meu umbigo.
Esse fim que se agiganta, à espreita, mas que não se sabe a que horas virá, quando, se virá mesmo e, ainda que venha, o quanto está empurrando a urgência da tomada de decisão na minha vida.
É preciso agarrar a minha vida nas minhas mãos. Essa atitude é imprescindível e forte. E já deveria ter sido tomada ontem. Tenho que voltar a ser dono de mim mesmo, tomar posse do meu eu. É uma ação necessária para realinhar toda a minha vida, meus valores e meus caminhos.
Minha avó cansou de falar “vamos ´xxx´ que a morte é certa”. O “xxx” podia ser qualquer coisa: estudar, trabalhar, namorar, comer, tomar banho, fazer alguma compra, cumprimentar alguém por alguma conquista, cozinhar, começar um crochet, um tricot, uma leitura, etc..
Hoje tem que ser o dia do “xxx”. Esse é o momento de “xxx” e é essa iniciativa que deve movimentar a minha vida daqui para frente. Não só a minha. A sua também. E, inclusive, a de todo mundo. A nossa vida, enquanto sociedade.
Mas para que movimentar?
Para viver de maneira plena, certa, intensa. É preciso perguntar:
- estou onde quero?
- estou como quero?
- estou com quem quero?
- faço as coisas na hora em que quero?
- estou fazendo o que quero ou quase tudo que gostaria?
Se a morte – esse gigante que pode tocar a campainha a qualquer momento na minha porta – resolver aparecer hoje, vou me arrepender? Do quê?
Posso lamentar não ter vivido para dizer “amo você” ou “estou com saudades” ou “sinto sua falta”. Posso também ficar triste por não ter ido ao baile, à festa, ao encontro dos amigos porque meu companheiro / minha companheira não quis?
Por que dei poder para outra pessoa dizer onde eu deveria ou não ir?
Talvez eu lamente o que poderia ter feito e não quis, onde poderia ter ido e não fui porque, naquele momento, a preguiça foi maior do que a minha vontade de me mexer.
Será que vou lastimar o fato de ter querido estudar paraquedismo e, no entanto, fui obrigado a estudar administração para sobreviver?
Será que nas minhas horas vagas, nos meus finais de semana, eu não poderia ter estudado paraquedismo como hobby? Ainda que não praticasse, só lesse ou assistisse filmes sobre o assunto?
Vou me arrepender do descaso que tive com meus amigos queridos, só porque alguém da minha família não gostava deles?
O COVID-19 coloca as coisas em sua real perspectiva e nos obriga a pensar em quem somos e o que queremos. E também no que seremos e como viveremos daqui para frente, porque podemos não pegar o corona vírus ou ter contato com a doença e escapar ilesos dos sintomas e das sequelas.
Mas…
e se estivermos na onda dos que vão embora hoje, ou essa semana, esse mês, esse ano?
E se a nossa poupança de tempo na terra estiver no fim? Vamos continuar empurrando tudo com a barriga ou vamos tomar o que é nosso em nossas mãos?
Seja qual for o tempo para sua linha de chegada, é hora de retomar sua vida com a energia da sua criança interior, aquela para quem tudo era fácil e possível de acontecer. Lembre-se da simplicidade:
Não pode sair? Telefone.
Não pode juntar os amigos? Faça calls pelo WhatsApp ou Zoom.
Não pode comemorar o niver do parente? A festa será linda pelo Houseparty.
Lembrou daquele amigo querido com o qual há anos você não fala? Procure-o nas redes, mande uma mensagem, ligue. Imagina como ele vai ficar feliz de poder saber sobre você.
Não viajou para o país dos seus sonhos? Viaje pela internet e conheça o que não pode vivenciar pessoalmente.
Não disse “gosto de você” para seus amigos? Mande um inbox e se declare. Hoje é um ótimo dia para isso e eles vão ficar mega felizes.
Já pensou como quer ter seu fim de vida? Fez suas Diretivas? Escreveu seu Testamento Vital?
Organizou seus papéis para que seus parentes saibam o que você quer e como quer que suas coisas sejam distribuídas?
Não tem o que fazer em casa? Revisite seus papéis guardados, suas lembranças, seu guarda-roupa, suas coisinhas. Repagine, reavalie, se reconstrua.
Se tiver mesmo que seguir a morte em breve, suas coisas estarão em ordem e os segredos que lhe tiverem sido confiados, estarão a salvo dos olhos de curiosos?
Por sorte, se tiver sido poupado do vírus, da doença e da morte, quando a reclusão da quarentena acabar, você estará pronto para escrever uma nova história, de um novo eu, mais contente, mais pleno, mais determinado a valorizar seu tempo, seus desejos e sua vida sem egoísmo e também sem concessões injustificadas?
Vou torcer para que você seja você mesmo, pleno, lindo, intenso, pronto para ser e para se fazer e para permitir que quem estiver à sua volta também seja mais feliz.