O direito de morrer em paz
Até que ponto as pessoas têm o direito de decidir sobre o seu corpo e sua doença?
Até que ponto elas podem definir quais tratamentos querem e quais não querem receber?
Por que no hospital, o poder de decisão final sobre a vida de uma pessoa está nas mãos dos médicos?
O quanto a família pode interferir no tratamento?
Por que as pessoas precisam ir pedir autorização para uma autoridade judicial para fazer ou deixar de fazer determinado tratamento?
Nossa legislação preza pelo direito à vida. E a Constituição garante a dignidade da pessoa humana. No entanto, milhares de pacientes são submetidos a tratamentos que judiam e não levam a lugar algum: a distanásia. Ela também é conhecida como obstinação terapêutica, que nada mais é do que ficar fazendo tratamentos e dando remédios que não vão alterar em nada o quadro do paciente. Só prolongar o sofrimento. Quando aplicada, o doente muitas vezes ganha uma sobrevida medíocre, extremamente dolorida, judiando também da sua família e das suas finanças. Nessas circunstâncias muitos pedem o fim da vida e do sofrimento, mas a lei não permite qualquer abreviação (a eutanásia e o suicídio assistido são proibidos no Brasil). O paciente terminal não deixa de ser um prisioneiro indefeso no nosso país e pouquíssimos tem a sorte de terem seu final de vida em um hospital com cuidados paliativos.
Li essa semana um artigo, que relatava um processo na Argentina. O marido havia provocado a justiça com um pedido de autorização para terminar com a vida de sua esposa, que se encontrava em estado vegetativo. Nem ele nem a família aguentavam mais vê-la sofrendo.
A resposta do juiz Hitters foi decepcionante: “ainda que em caso de dúvida, sempre deve-se optar pela solução mais favorável à sua prolongação (ou subsistência)”. Acrescentando que :”não há outra conduta além de continuar com os tratamentos”. Interpretando a resposta, o juiz teria dito “o problema é de vocês. Fiquem aí sofrendo, até que ela morra”. Claro, se e quando os médicos deixarem que isso aconteça.
Qual é então a saída para quem não quer passar por nada disso?
Gostaria de responder “não morrer”, “morrer em um acidente”, ou ainda “morrer dormindo”, mas esse não é o final de vida da maioria da população, já que a maioria dos falecimentos ocorrem em hospitais ou casas de saúde.
A melhor maneira de fugir hoje dessa impotência diante da doença e ter uma morte digna é definir com bastante antecedência suas diretivas antecipadas de vontade, ou seja, pensar sobre o assunto e dizer exatamente o que se aceita e o que não se quer nem ouvir falar. E não adianta só pensar, definir e falar. É preciso falar para o médico e deixar por escrito, tintim por tintim, todas as vontades em um Testamento Vital.
E mais. Preferencialmente o Testamento Vital deve ser registrado em cartório. Na verdade nao precisa, mas é melhor que seja e tenha a assinatura de testemunhas. Com esse documento, é mais fácil exigir dos profissionais da saúde que a vontade do paciente seja respeitada.
O Testamento Vital no Brasil ainda é pouco conhecido, mas sua utilização vem crescendo. Ele foi instituído pela Resolução 1995/12 do Conselho Federal de Medicina.
Para os moradores do Estado de São Paulo há ainda outra alternativa. Falarei sobre ela outro dia.